Por Grenda Costa
Sessão 3 – Água Rasa, Parnamirim Kaluanã, Noke Koi e Jussara.
Na sua fase de surgimento, o cinema se popularizou enquanto expressão cultural como uma forma de entretenimento barato. Voltado para as classes de trabalhadores, as imagens em movimento serviam como forma de escape da realidade dura dos dias de trabalho pesado. Ainda hoje, para a maioria das pessoas, quando se pensa em ver um filme, a primeira coisa que vem à mente é a dimensão do entretenimento. Um programa pra fazer com os amigos, com a família, com uma paquera… Muitas vezes esquecemos de suas várias outras dimensões: o cinema como forma de expressão artística, como forma de expressão política, como meio de reflexão sobre nossa sociedade, como artefato histórico. Podemos entender essa sessão de filmes como uma cápsula do tempo. Filmes que trabalham com a dimensão do cinema como guardião de memórias.
Começamos por “Água Rasa”, filme que resgata e não deixa morrer a memória do desastre de Brumadinho. O rompimento da barragem ocorrido em 2019, um dos maiores desastres ambientais causados pela mineração descontrolada na história do nosso País. O desastre chocou o Brasil quando aconteceu, mas como tudo que envolve grandes conglomerados por trás, aos poucos foi caindo no esquecimento. O curta resgata a história sob a perspectiva da periferia dos acontecimentos: pelas pessoas que moravam aos arredores e tinham o rio como fonte de alimentação e centro de socialização da comunidade. Não há volta para essas pessoas e é possível que o filme não mude de forma drástica a situação delas atual, mas ele é prova de suas existências, dos sofrimentos que passaram e é gesto de reconhecimento da história delas.
Em “Parnamirim Kaluanã” e “Noke Koi”, a tentativa é de preservação de culturas que estão sempre ameaçadas desde que o primeiro europeu pisou em nossas terras. No primeiro filme, as histórias sobre os encantados que antes só existiam na cabeça e na língua dos Anacés da região, agora também existem registrados em imagem fílmica. Os relatos se tornam ritual sagrado à medida que se entra na mata e a imagem perde a cor. Agora, esse ritual também existe para ser revisitado por olhos que não estavam presentes no dia. Já “Noke Koi” tenta dar conta de toda uma cultura e tradição do povo que dá nome ao filme. Desde a língua que se fala aos rituais realizados, tudo é registrado pelo filme e comentado pelos personagens. Se para o povo Noki Koi, a preservação de sua cultura já é um ponto central de discussão, o filme se torna parte desse esforço. Documento para gerações futuras.
Para fechar, “Jussara” homenageia os guardiões das memórias. Numa animação sensível e lúdica, a protagonista do filme é uma mulher mais velha que parece guardar todo o conhecimento do mundo em si. Ela passa os dias compartilhando e espalhando seus conhecimentos e memórias com crianças e adultos. Assim como faz essa sessão, as histórias que Jussara conta bem que poderiam ser sobre os peixes que insistiram em viver no rio contaminado pela lama ou sobre dona Josefa que escapou da polícia porque tinha a oração muito forte ou ainda sobre como se faz para usar o Kambô. Os livros que voam de sua casa carregam pedaços de história, assim como as imagens que compõem essa sessão.